17/08/22
Os três únicos enunciados aprovados sobre Direito Autoral foram propostos por integrantes do Instituto Brasileiro de Direitos Autorais. Confira!
Regularmente, o Centro de Estudos Judiciários (CEJ), do Conselho da Justiça Federal, promove Jornadas relativas a diversas áreas do direito com o objetivo de consolidar posições hermenêuticas sobre temas jurídicos. Nestes eventos, são debatidos e votados enunciados que consolidam as interpretações dominantes sobre temas controversos nas legislações, possibilitam a exposição da compreensão moderna do arcabouço normativo e servem como referencial para a elaboração de decisões, peças processuais, estudos e publicações.
Destes, os três únicos enunciados aprovados sobre Direito Autoral foram propostos por integrantes do Instituto Brasileiro de Direitos Autorais (IBDAutorais). Confira:
Enunciado 110, aprovado na III Jornada de Direito Comercial, em 2019, de autoria de Alexandre de Serpa Pinto Fairbanks, diretor administrativo e pesquisador do IBDAutoral:
“ENUNCIADO 110 – Aplicam-se aos negócios jurídicos de propriedade intelectual o disposto sobre a função social dos contratos, probidade e boa-fé.
Justificativa: Os princípios contratuais estabelecidos nos arts. 421 e 422 do Código Civil alcançam todos os negócios jurídicos privados, mesmo com relação àqueles direitos regidos por leis especiais, como, por exemplo, a Lei de Direitos Autorais, Lei de Software e Lei de Propriedade Industrial.
As características sistêmicas do ordenamento jurídico asseguram sua unidade, ao par que as axiológicas reafirmam a centralidade da constituição e, sendo boa-fé, probidade e função social princípios representativos da eticidade e solidariedade, centrais ao sistema nacional de Direito Privado contemporâneo, conforme lecionam Miguel Reale e Judith Martins Costa, seus efeitos se espraiam e penetram todo o sistema jurídico, assegurando a unidade do ordenamento.
Justifica-se, assim, este enunciado, pela necessidade de consolidação deste entendimento paradigmático e consequente redução de demandas judiciais sobre o tema”
Enunciado 115, aprovado na III Jornada de Direito Comercial, em 2019, de autoria de Allan Rocha de Souza, presidente do IBDAutoral:
“ENUNCIADO 115 – As limitações de direitos autorais estabelecidas nos arts. 46, 47 e 48 da Lei de Direitos Autorais devem ser interpretadas extensivamente, em conformidade com os direitos fundamentais e a função social da propriedade estabelecida no art. 5º, XXIII, da CF/88.
Justificativa: Em 2011 o Superior Tribunal de Justiça, ao decidir o Recurso Especial 964.404, estabeleceu, por unanimidade, como paradigma que a proteção autoral sobre os bens literários, artísticos ou científicos deve ser coadunada com a função social da propriedade e destacou que as limitações opostas aos direitos autorais têm por objetivo a harmonização entre direitos fundamentais, tais como o direito à cultura, educação, privacidade. Casos seguintes foram decididos pelo STJ, seguindo este mesmo entendimento. Seu principal efeito é a conformação da interpretação das limitações estabelecidas na Lei n. 9.610/1998 como extensiva, exemplificativa.
Esta posição já havia sido acatada pelo Supremo Tribunal Federal (RE 115.505) ao discutir a legislação especial anterior, sem, contudo, enfrentar a questão a partir dos direitos fundamentais.
Justifica-se este enunciado pela necessidade de consolidação deste postulado jurisprudencial paradigmático e consequente redução de demandas judiciais e sociais em torno do tema.”
Enunciado 670, aprovado na IX Jornada de Direito Civil do Centro de Estudos Judiciários, em 2022, de autoria de Luca Schirru, diretor-executivo e pesquisador do IBDAutoral:
“ENUNCIADO 670 – Art. 11 da Lei n. 9610/1998: Independentemente do grau de autonomia de um sistema de inteligência artificial, a condição de autor é restrita a seres humanos. Justificativa: A recente decisão do Copyright Office Norte-Americano em Fev/2022 em afirmar que a autoria humana é requisito essencial para a proteção autoral apenas ressoa entendimentos doutrinários e até mesmo debates que já vem ocorrendo em Tribunais, como é o caso da disputa Feilin v. Baidu na China.
Sob a legislação vigente, um sistema de IA não pode ser considerado autor, uma vez que esta é condição necessariamente humana, de acordo com o art. 11 da LDA (Lei n. 9.610/1998). No que diz respeito aos fundamentos dos direitos autorais, a centralidade da figura do criador humano não é nova, como afirma o saudoso Prof. Denis Borges Barbosa: “A partir de 1710, apareceram as primeiras leis destinadas a estimular as criações literárias, artísticas e científicas, […] o propósito […] era, em primeiro lugar, proteger os autores do excesso de poder econômico (e técnico) dos empresários gráficos, e, em segundo lugar, promover a criatividade intelectual.”. (BARBOSA, D. B.. Direito Autoral[…]. 1999. pp. 1-2)
Assim, atribuir autoria a um sistema de IA (i) não o incentiva a continuar criando, (ii) vai de encontro com o texto legal vigente, (iii) e contraria toda a estrutura teórica, filosófica e normativa sobre as quais foram erguidas regras amplas e compreensivas destinadas a proteger o criador humano e sua obra original. (SOUZA, A. R.; SCHIRRU, L. A nova fronteira tecnológica do direito autoral. In: Manoel Joaquim Pereira dos Santos, Flavia Mansur Murad Schaal, Rubeny Goulart (Orgs.) A Propriedade Intelectual e o Mundo da Inteligência Artificial. 1ed. PI e NewTech Ed., 2021.)”